Eram 3h30 da madrugada. Ela estava entediada.
Trocou de roupa três vezes. Estava insatisfeita.
Curiosamente não eram só as roupas que não as estavam satisfazendo. Ela se perguntava mil vezes ao dia: “quem está habitando esse corpo? Eu? Meu reflexo? Minha vaidade?”. De nada valia se perguntar tantas vezes se a resposta que vinha era dela mesmo dizendo “não estou satisfeita”.
Nunca esteve. Quando era mais jovem nada a agradava. Nem os livros de histórias sobre princesas perfeitas eram o suficiente. Cada página ela perguntava, vagamente, para o próprio livro “quem são essas de tão boa alma? Ninguém pode ser tão bom assim”. Era uma aberração.
Passou um batom vermelho, depois de decidir a roupa. Olhando pro espelho ela disse pra ninguém “vou sair”. A resposta? Um remendo ecoado e uma imagem distorcida.
Vestida e pronta para “divertir-se”, ela saiu de casa mentalizando uma boa noite. Pegou um taxi, iria para melhor danceteria daquela cidade, com as melhores pessoas, em busca de companhia pra noite e sabendo que só o café forte da noite passada restaria pela manhã. Era tão romântica que silenciosamente dizia a todos os seus companheiros de noitada: “você irá me amar pela manhã?”. Nunca foi amada. Desacreditou-se.
Ordenou que o motorista parasse:
- Pare que eu vou descer aqui.
Assustado, pois eram 4 horas da manhã de um sábado chuvoso, o motorista retrucou:
- Mas senhora... – e foi interrompido.
- Só pare e vá embora, eu me viro daqui.
Desceu no meio de um viaduto vazio. “Só deve ter alma penada aqui”, pensou.
Chegou à beirada da barra de ferro enferrujada, abaixou seus olhos e numa atitude impulsiva, num grito silencioso de misericórdia, inclinou seu corpo e jogou-se. Morreu 10 minutos depois da queda. A dor foi efêmera. A vida foi efêmera. O batom vermelho se desmanchou. Nada restou, nem a própria alma. Viraria pó após alguns anos a sete palmos do chão. Ela era feliz, insatisfeita, triste e sabia que nada era capaz de mudar a forma que pensava. Nada era bom, nada era o suficiente. Não terminava nada. Nem aquela noite que prometeu a si que iria se divertir. Nenhuma promessa quebrava seus atos incompletos.
Ela era incompleta. No fundo, queria morrer desde o primeiro minuto de vida.
A notícia não abalou a ninguém. Ela era invisível a olhos vaidosos e covardes. Ela já estava morta nos olhos alegres dos colegas de trabalho, de noitada e do seu meio de convívio. Ou melhor, seu meio morto-vivo.
Quando encontraram seu corpo no pé daquele viaduto, parecia uma bigorna obedecendo à lei da gravidade, pronta pra cair. Caiu. Nunca deixou de viver por nunca estar viva.
Ela acreditava que o sentido de vivenciar os fatos era devido ao sentimento imposto a cada momento. Ela nunca sentiu nada mais que tristeza, nada mais que desprezo. Por ela mesma.
Pobre menina tola, não morreu sua alma, nem suas idéias... morreu seu próprio corpo, que poucas histórias tinham pra contar. Ela degustou cada café com amargo de nicotina, cada perfume com ar de creolina. Pobre menina tola.
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