quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

versos inúteis

meus versos inúteis
que não me servem nem como porta de boca
e que quando os escrevo é gozo e agonia
esses versos que me sobem a garganta
e me descem aos dedos
rasgados de toda melancolia dos dias que findaram
mas que em minha vívida memória
se saboreiam do meu desejo de alforria

para todo o meu desgosto
acendo um cigarro como se nele morasse o mundo
ou a mim coubesse pôr a alma na brasa
mas sem sentido ele acaba como tudo
e finda numa tragada e numa libertadora baforada
então retomo a mim como se fosse tudo
e presto atenção no que percebo
caio arranhando o vidro num barulho irritante
como se gritasse a mim meus dedos e as unhas que tentam fincar-se a qualquer coisa

toda noite, todo dia é desespero
corro os olhos sobre o muro, vejo a todos e todos me ignoram
mas porque me escondo na sacada e me abaixo atrás do muro
pois só quero ver passar o mundo
mas essa tentativa burra é a insuficiência de ver tudo
e a rua não é a porta desse mundo que tanto falo
e, portanto, não só falo
como vejo somente com meus olhos que a terra já comeu
e que foram devorados também por mim mesmo quando quis enxergar
e essa é mais uma coisa que me acometo por a vida ter-me um pouco dos olhos em tudo

viajo experimentando como também experimento agora sentado
na escada, de costas pra porta que dentro tem a cama que me abriga
e nessas viagens penso sempre nessa cama e nela vejo meu descanso
mas essa noite não poder dormir me ilumina o mundo
apesar do breu da noite e olhar daqui a vida no escuro
quando me encontro nessas viagens sinto como se estivesse perdendo(e perdendo nada)
pois o que tira minha calma é a violência dos trens e a distancia das pessoas
ninguém se conhece e portanto é dado como incerto estar próximo do outro
mas incerto é somente meu destino nesse rumo
às vezes quando encosto no parapeito de uma janela penso que sei de tudo
mas caio na desgraça e o agora não é nada, e o parapeito é só o meu encosto de descanso
então acho que devo ir ao encontro de gentes, mas as vejo de longe
porque se me aproximo a revelação é sempre o espanto
não sei como saber do outro se sua alma é outra que não é a minha
e sua casa, seu corpo é repleto de todas as formas que o meu não tem
ao mesmo tempo que agora escrevo o que penso nesse processo de pensar e escrever
acho também que gosto do gosto desse desconhecido

meu sonho é para mim
e esse sonho de futuro é miserável por não ser nada ainda
quando chego no depois, já não sei mais do agora e acabo por me esquecer desses planos futuros
eles não são nada mesmo, nem o que pretendem, nem o que por ideia posso ter
e esquecendo essa ideia, existe um vácuo que assola o esquecido
eu sou esquecido, mas que ao mesmo tempo não sou nada
nem eu, nem o outro
nem os sonhos futuros
não existe eu
agora persiste a cabeça maquinando e os dedos em função de dizer tantas coisas...
mas quando falo sei que de pouco essa linguagem pode falar
e essa minha argumentação hipotética
é a mesma suposição barata de quem não sabe de nada
e não saber de nada, às vezes penso, é privilégio
por ainda manter viva uma esperança no futuro
ou mesmo no agora, uma esperança cinza do desconhecido por que de esperar tanto
mas acabo sempre sendo alguma coisa
e essa coisa no final acaba por me incomodar
por me sentir desse que sou um escravo
que crava na própria pele sua unha
como se pudesse eu querer virar-me do avesso
atravessar minha pele e me ver de dentro
uma tolice sem tamanho pela ideia ser um absurdo, e as unhas que fincam machucar a pele
e acabo por me machucar de muitas maneiras quando me sinto encurralado
mas sei, também, que por acaso minha pele é minha casa
e emudece esse querer de quase-morte, essa vontade de abandonar a pele

sei que tudo o que tenho ainda estou pra aceitação
e minha voz que julgo como desafinada é a unica que fala
canto a tristeza, canto uma alegria que não conheço, canto por somente poder cantar
esse ato de desanuviar minha perturbação, esse problema que parece ser eterno na cabeça, mas que vejo no corpo e nos olhos de todos
de mim ninguém sabe nada, e se quisesse saber seria um querer em vão
pois só eu te vejo daqui de dentro e só eu estou ocupando meu espaço
percebo que sou ruim nas coisas que faço e me decepciono por nem cantar saber
falho nas coisas e, nelas, ainda que não queira, eu estou
e estar é meu unico estado no momento
também não quero nada
absolutamente nada, o que deixa a muitos com desconfiança
mas não posso querer nada, pois eu mesmo sou a finalidade das coisas que posso querer
essa é minha derrota
enquanto estou no quintal de casa, observo, novamente por cima do muro, um pedreiro que está consertando a casa ao lado querer um tanto, querer muito
e eu ali não quero nada, nem mesmo observar o que quer o pedreiro
mas observo, como num exercício de auto-flagelo, a grandiosidade dos quereres daquele homem
não sei ao certo aonde o leva seu querer, nem mesmo ao certo quem é o homem trabalhando
e não invejo, nem em mente nem em alma, nada daquelas vontades
mas as acho grandes, por eu mesmo não querer nada
sento-me pra fumar um cigarro e penso: o que será de mim se não quero
e eu que não sou nada e não tenho grandes aspirações
meu querer agora é não querer nada. é, na verdade, querer tudo ao mesmo tempo
se penso no agora, agora só quero fumar um cigarro
e deixar pra lá o que penso ainda sobre meus sonhos futuros
pois eles não são nada
não são
ficam aqui nessa escada
enquanto vou-me embora, deixando tudo para trás
como houvera deixado antes e por ser burro voltei atrás
mas no agora a vontade é tudo o que persiste em mim
nesse meu movimento em me levantar, deixar o chão
o pedreiro e esses sonhos impossíveis
só porque caio a todo instante
nesse agora, que parece que dura um especial para sempre

ah, então me lembro e volto ao passado
me lembro de criança e não ser tão cheio de tudo
quando nem tinha ideia de que não sabia de nada e por inocência nem mesmo me importava
só chorava de fome
e ria do que achava verdadeira graça
mas hoje, esse torpor de alucinações que me emaranhei
rio da desgraça, rio do que não acho graça
rio por pena
talvez de mim mesmo
mas uma pena de burrice, a pena que sinto quando me vejo só
mesmo sabendo que é essa condição imutável
apesar de saber que nada disso contém importância
me incomodam os acasos em que sou obrigado a dizer meu nome
como se meu nome fosse eu
aí recordo-me novamente de ser criança
e nem em nome pensar como pessoa
não me olhava no espelho
não me via em julgamento
não reparava minhas formas
que hoje preciso desse exercício de aceitação pra não me chatear comigo mesmo

mas sei,
como sei sabendo porque sinto
que nada adianta existir todas as coisas
se eu não estiver aqui para senti-las
se eu não estiver aqui, nada disso existiria
ninguém existiria
e parece tudo fruto do que sinto
e é, afinal
essas experiências sem importância alguma
são as mesmas que me fazem compreender
numa incompreensão não entendível
daquelas que só posso dizer que se sente, e se sente muito,
de que tudo
que a vida sem futuro e sem passado
que a vida do presente eterno
só se é vida porque vivo
e só é nada
porque eu mesmo não sei nada

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

tristeza

minhas rugas são internas
e meu eterno rugido de alma
não cessa e nem grita a minha dor
minha tristeza que não tem nome
(nem mesmo de tristeza)
é um amargor, que só,
experimento sentir
minha alma se alaga
e no drama exercido pelos meus dizeres
minha alma se alaga de lágrimas
e é triste de um cinza bem escuro
que como no cigarro que acaba na bituca
à minha beira
minha alegria se esvai

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

corpo frágil

num dia meu corpo doía como quebrado
no outro me doía a cabeça
e de repente eu quis sair do meu corpo
e eu estava na minha pele mais do que nunca
suportá-la na dor e na febre
no frio e no calor
quando minha sensibilidade parecia reluzente
sabia que em mim estava presente
o desejo de romper a pele e me expandir no ar e ser como o ar
abandonar o corpo doente
e só quando doente percebo que dentro do meu corpo
estou fechado e dos arrepios dos pelos não passo
não vou além do toque e do sentido
nos outros dias acordei derramado
esticado na cama, impossibilitado
calado
e então cada vez mais dentro do corpo
e ao mesmo tempo tão afastado do corpo
que ele não se movia
e nem se expressava
derramado eu estava dentro de mim
num lugar indizível, o lado escuro do interior de todos nós
e quando o corpo expõe sua fragilidade
existe um eu que o resiste
e um eu que resiste a mim mesmo

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Sem palavras

eu ando por caminhos indizíveis
locais que só me permitem sentir
e por sentir ser tanto
não há forma possível
de expressão através da boca
para dizer o que se passa e o que atravessa
em nós, dentro de tudo
e tudo dentro de nós

a palavra pontua e encerra em si a coisa dita
o sentimento extrapola, expande-se, dura até o sentimento de morte
o que sinto quer até romper a pele
sentir é intenso
e estar dentro de si
que somente sente a si
que somente sabe-se
só o suporta, é só e alegre
e triste, febril
tudo o que tudo pode ser
sendo tudo dentro de si
sentindo tudo que vive dentro de si
extasiado por uma amora devorada do pé
como se a amora pulsasse vida
como eu
e de repente, ela realmente pulsa

não sei dizer o que senti
tenho poucas palavras e minha cabeça é de gente
que assim como a gente
fica embaraçado
quando tenta dizer dos sentidos, das vibrações
quando tenta dizer que dentro de si
existe tanto que não cabe aqui

segunda-feira, 27 de maio de 2013

sobre a vida e seu mistério

Se tudo é tanto, então nada sou. Nem poderia pretender ser nada. Se existe um uno dentro de mim, minha carne é casca de empoeiramentos sem fim. Aonde por dentro existe uma natureza que não termina, que é minha alma, minha calma, pedaço do que sou, enfim. Se saberei quem sou (?), também, creio que não saberei. Existe um mistério dentre nós, qual move a vida de diferentes formas. Minha experiência por aqui é a de me encobrir deste mistério, esse que, na verdade, já sou encoberto pelas vivências da vida. De maneiras diversas, surge de surpresa o que se chamaria de sinal, não do divino cristão, mas do divino interior. Divino sim, sagrado, que está coberto pelas verdades absolutas, as buscas por poderes menores que nós podemos nos sentir ser. Esse surgimento repentino de qualquer coisa que pode ser pequena e foge do entendimento, dando um ar do que se quer entender sobre a vida e o que é existir aqui e agora. Nunca é algo espetacular, notável no atual cenário social, mas é fascinante pelo pedaço de vida que carrega. Quem o percebe é sensível a si mesmo e a vida. Nunca é um objeto de estudo, mas de vivência, uma experiência sempre memorável e reflexiva. Se existe o micróbio do samba, existe o micróbio da vida, que quando se remexe dentro de nós, causa incômodo, náusea e parece querer nos fazer despertar pra algo maior. O que me incomoda me desperta interesse. A vida dói e se remexe feito o micróbio. Mas sinto que nada sei que possa dizer especificamente sobre o que é, só sinto mesmo. Foge do entendimento, pois não é nele que se encontra, por não conseguirmos nos expressar, contar essa história, pois ela é única pra cada um e, apesar de fugir do entendimento, é sentido e podemos pensar. Pensar em que? Eis a questão... acredito serem esses fragmentos de vida que vivenciamos nessa experiência. Como se voltasse aonde à vida nasceu, um lugar desconhecido. Enquanto ela acontece, tudo acontece, até o tempo passa de maneira que nunca senti passar antes. Cada fragmento é terno, mas duradouro. Ele quer que você chegue ao mais profundo de si. Ele não pretende, ele está ali para isso. Se encontrarmos os mistérios da vida no caminho que se segue pelo mundo e dentro de nós, esse, que só mesmo eu penso que sei do que falo, não cabe no entendimento fácil das coisas, pois, como penso, não se entende, mas se sente e se deixa guiar para dentro. Devemos acreditar na vida que é só nossa e que, apesar de desconhecermos, sabemos que é nossa, que é parte de uma experiência individual e única. Chamariam de loucura, mas eu chamaria de náusea (como Jean Paul Sartre), de despertar, de individualidade. A verdade aqui é que pouco me importa o nome que poderia dar ao que vida se revela para mim. Pois não está nas vitrines e catálogos, muito menos na boca das pessoas. Talvez esteja acima das nuvens aonde me sinto estar vez ou outra, acompanhando o viver estático das pessoas e a natureza das plantas e da vida que não se pode também simplesmente explicar com um respaldo cientifico. Quando nasci, acidentalmente ou não, engoli esse mistério que não vem à boca, mas talvez se encontre em alguns olhares. Ele se espalhou por mim e está entranhado em minhas artérias, meus pulmões e coração. Mas me parece que ele não envelhece, ao contrário de minha casca, pele, expressão, ele se rejuvenesce a cada fragmento que encontro pelo caminho que traço minha vida. Se torna novo e se torna muito, tanto que não se sabe quanto é. Se o micróbio se mexe dentro de mim, se a vida se incomoda da vida que se leva hoje e deseja se elevar a infinidade que ela pode ser, nada mais justo que subir as nuvens e sentir um pouco do seu mistério, e é então que me parece que desenferrujo e desmancho um pouco da máquina que instalaram em mim, meus movimentos são os que desejam ser, não apenas um aceno, um adeus, um passo ou um trabalho empenhado. Claro que conheço as limitações do corpo, mas desconheço limitações para este mistério que deseja todos os dias acontecer em mim.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

sonâmbulo

Esse tempo de urgências...
As urgências esfarrapam os acasos
E ensandecido é aquele que tomou tempo
Numa espécie de limbo
Onde tempo é contado e cronometrado
Não se passa, corre
Não venta, faz vendaval
O que dorme é interrompido
Vira sonâmbulo, perdido
Tic tac, ele conta
E não se ultrapassa as horas de sono mal dormidas
Passante com sono
Sonambulando em encontros
Em meio a tantos desencontros
Mesmo inconsciente
O inconsciente faz lamentar
E na remela da manhã adiantada
O que passa pelo tempo não tem tempo para nada
Quando desperta
Continua sonâmbulo
No deserto de insônia
Onde o sonâmbulo é mera representação
Do tempo contado, do chão pisado
Do trabalho empenhado
Sonâmbulo não tem tempo de despertar
Quando dorme, morre
Quando acorda, vagueia
É como se nem tivesse sangue na veia
Gelado o sangue, parece que o sangue parou
Sem se dar conta do atraso acometido
O sonâmbulo cambaleia
No pêndulo, onde, ora pende entre as verdades, ora pende com sono
O sonâmbulo é uma alma adormecida
No corpo de uma noite mal dormida

segunda-feira, 29 de abril de 2013

as manhãs

Acabo de passar por mais uma manhã.
O sol nasce, as pessoas vão trabalhar, a luz adentra a janela.
Quisera eu que fosse outra manhã.
Existe nela movimento nas ruas e as luzes se desligando nos postes.
Passageiros esperando o ônibus e o neto sendo levado para a escola.
Uma mulher comprando cigarro e o menino comprando o doce.
E vai ficando mais quente conforme o sol sobe o céu para rasgá-lo em mais um dia.

A vida seria somente o enquadramento da janela caso não saísse daqui -penso.
E é. Acompanho do alto toda movimentação.
6 horas, bate o sinal da escola e os alunos entram.
Esvazia-se a rua frente a minha.
O vento toma conta tornando-se notável, batendo nas árvores e guiando os pombos.
Mais uma manhã.

Não percebo em minutos o negro do céu tornar-se laranja.
As cores não tem formas. E se misturam.
O céu não tem consistência e nunca pretende desabar.
As nuvens passam a me observar, a te observar. Elas passam e se desfazem.
Vão se transformando, juntando-se umas as outras. Sem rumo e nem direção.
Mais uma manhã.

Não percebo o dia chegar enquanto o calor adentra o quarto e a coberta.
Desperto no lamento em lágrimas do meu próprio corpo que não suporta tal calor.
Coisa alguma, dessa vez, tem consistência e realidade.
Fui tomado por uma enxaqueca que durou uma semana e ainda não findou.
De repente o dia é feio. É quente e desagradável.
O café não está pronto assim como eu.
Não sei como e quando me inicio.
As crianças indo ao colégio e as pessoas indo ao trabalho, que barulho infernal.
Minha audição é sensível como não havia percebido.
Tonto, urino já com a bexiga pedindo socorro. Mal consigo ficar de pé.
Mais uma manhã.

Vai-se a cabeça, fica a dor.
Minha cabeça foi cortada esta manhã.
Amolaram a faca durante alguns dias e finalmente hoje me decapitaram.
Mas fica a dor latente de um dia ter tido cabeça.
Procuro debaixo da cama, em cima da cabeceira. No escuro é fácil perder a própria cabeça -penso.
E acabo por deixar a manhã passar sem que eu possa perceber sua existência. E das outras pessoas.
Volto a dormir e existir nessa manhã não passa de um mero sonho.

A porta se fecha, dando princípio aos compromissos matinais. Que irão durar o resto do dia.
Estou pelo lado de dentro, faz frio e calor, ao mesmo tempo.
Meu pensamento, para meu desgosto, voa pra longe do aqui e agora.
Quando me dou conta, é manhã e então estou no aqui e agora.
Tenho uma revelação inusitada sobre nossa condição.
Toda manhã é uma epifania, todo pensamento matinal é uma divina constatação.
E selado o período pelo relógio ao meio dia, o dia se torna uma irrealização, por ser mero e efêmero vão.
Espero pela manhã seguinte, que parece eterna no raiar do sol.

terça-feira, 9 de abril de 2013

inalcançável

    "Como é por dentro outra pessoa?
    Quem é que o saberá sonhar?
    A alma de outrem é outro universo
    Com que não há comunicação possível,
    Com que não há verdadeiro entendimento.
    Nada sabemos da alma
    Senão da nossa;
    As dos outros são olhares,
    São gestos, são palavras,
    Com a suposição de qualquer semelhança
    No fundo."
    Fernando Pessoa, 1934
Perde-se muito tempo da vida tentando alcançar o outro. O outro é mistério que não dá pra desvendar. É interessante constatar isso, pois quando afirmo que não se dá pra alcançar o outro, sei que só está no meu alcance o oposto do outro, eu mesmo. E aí é que se embaraça e encontro uma teia de problemas: encontrar a si mesmo é tarefa que me parece, às vezes, de monge ou eremita. Mas posso estar errado, o outro nunca esteve tão próximo e, também, nunca esteve tão distante. Próximo de tato, longe do nosso conhecimento. Nunca se conhece ao outro como a si mesmo. Esse “fora do alcance” que me vi, perdido no meio das minhas divagações, na ponta do fio da linha extensa que é o outro, que criei preocupações no não alcance. Me faltou tato e experiência. Consciência também. Não me culpo por não ter percebido a distancia que jamais poderia percorrer para alcançar o outro.

Quando assim me encontro, nessa ponta do fio, viajo e me mudo de cidade, ainda me deparo com essa mesma distancia. É confuso, pois o que tinha em mente  -e que, agora, mudou completamente- é que o outro era a tarefa da minha vida, a meta que iria alcançar, as cabeças e as mentes tão confusas quanto a minha e a de qualquer outra pessoa, que iria entender. Não iria, nem nunca vou. É nesse ponto em que, quando vamos nesse encontro impossível que nos afastamos de nós mesmos, creio eu. Quando ponho eu e o outro em jogada, desfaço esse oposto, porque, antes de qualquer coisa, não alcançarei o entendimento da mente do outro e, ainda tento encontrar solução para a minha. Então não existe oposição, senão uma mera distancia mesmo a qual não pode ser medida por falta de conhecimento da mesma.

As horas passam, enquanto fugimos do que está em nós –lembro-me sempre que pode ser tão perturbador quanto o outro- para fixarmos nossa atenção aquele que não dá pra ser compreendido plenamente. Nessa parte, o que achamos que vemos de nós mesmos, eu, o que acho que vejo de mim, na verdade, é um reflexo, como num espelho, da mais superficial e sem solução perturbação, a inquietude da mente pra com aquele que não tem solução, para nós.

Logicamente, também vejo como tarefa quase impossível o total desapego do outro, que temos, por esbarrarmos com ele sempre. Nós amamos outro, porque o outro é o espelho e o reflexo das mesmas perturbações e aflições que citei. É muito mais fácil observar isso ‘nele’, é muito mais fácil pensar em alternativas eficazes para solucionar os problemas do outro, que as vezes é o nosso também.

Quando cheguei à conclusão que o outro é impossível para minha realização e plenitude, é que me vi em um naufrágio. Exatamente porque entrei em contato comigo mesmo, e muita coisa fica acumulada no casco do navio imerso na água quando emergimos nesse naufrágio. E quando emergimos nos damos conta que é tudo por nossa conta, tudo nossa responsabilidade. Inclusive o que o outro parece para nós.

Inclui, também, o que sentimos pelo outro. Porque o que sentimos pelo outro é carregado de expectativa e, quando se cria uma expectativa, é esperado que ela se cumpra. Nunca se cumprirá. Relaciono sentir com as expectativas por minha própria experiência de dar murro em ponta de faca. Não que seja assim, pelo contrário, acredito que devam ser duas coisas também opostas. O que sentimos tem que significar a liberdade com a qual desenvolvemos o sentimento e a mesma liberdade que iremos dar ao outro, porque ninguém quer ser preso a essas coisas da vida que já vimos causar tantos sofrimentos –e até morte(vide as histórias de amor mais românticas)-. Já a expectativa, eu acredito, jamais deve der depositada em alguém humano, sendo mais específico, como você. E é exatamente pela liberdade do sentimento, expectativa e sentimento, como amor, por exemplo, nesse caso, são opostos que se atraem e se repelem. Se atraem pelo puro exemplo, pela visão não turva do sentimento: quando olhar para o amor, com a tal liberdade, não vai ver a expectativa. E, quando olhar a expectativa, não verá nada de movimento, mas tudo o que for concreto, palpável e atingível por você mesmo. Expectativa é a esperança maldita em cima do outro, mas pode ser o empurrão pra planos que só você mesmo pode cumprir para o futuro.

Hoje, sinto que conhecerei melhor –disse melhor e não completamente- ao outro, se me conhecer em plenitude, ou chegar perto disso. Talvez eu seja mesmo o outro, também, como li. Já que conhecer e viver com o outro é tão difícil quanto viver consigo mesmo e, tentar, conhecer a si mesmo. Nesse ultimo caso, confesso que não estou certo que se é possível conhecer a si mesmo plenamente, por conta dos acasos e novidades da vida. Sempre existe algo novo o qual temos que lidar e conhecer. Impulsos meus que desconhecia frente a diversas situações. A nova pessoa que aparece na vida, em que, vamos tentar conhecer, na sua superficialidade, para lidarmos com ela na subjetividade, dentro de nós, para adentrar, em sentimentos e pensamentos, o outro.

segunda-feira, 8 de abril de 2013


A cor do verde me causa arrepios
Assovio para o vão na imensidão
No horizonte cortando a nuvem e o chão
Impossível determinar o chão
Recortado de formigas saúvas
Cheias das permissões na natureza
Subo o mais alto para tocas as nuvens
Mas só dos olhos sinto a cor das mais carregadas
As árvores desenham a paisagem
Nos galhos, as aves expressam sua linguagem
Não posso falar a língua das aves,
Nem das árvores
Uivando com o cortante vento
Assemelhando meu assovio ao relento
Não se pode tocar a natureza
Não se pode medir o tamanho dessa beleza
Sinto a textura da folha
E a delicadeza da pele
Parte desse todo sou eu
Móvel, levado pelo tempo
Enquanto das pernas tomo minha partida
Das raízes as plantas ficam sem partida
As naturalidades do ser
Planta
Bicho
Gente
Sobre o orvalho, caminho
Pé, raiz, galho, flor
Molhados no silencioso sereno

sábado, 23 de março de 2013

dentro

Na divindade individual
Na paz espiritual
No espírito que habita em mim
Da alma que jaz sem fim
Enclausurada dentro deste corpo
Decrepitando a próprio gosto
Fluindo no infinito tempo
Na correnteza deste infinito
Finito Eu sou
Buscando no meu interior
Pacificidade pra me encontrar
Beleza admirar
Amar a vida no Todo meu
Pra sentir-se abraçado de fluidos bons
Bombeia sangue, pulsa veia forte
De emoção
O imaginário poder do coração

quinta-feira, 7 de março de 2013

cada aperto
na correria, escorrego
e assim,
indo para um lugar sem fim
sempre me encontro perdido
no vácuo
do profundo que procuro
dentro,
no meu próprio escuro
ainda tento me encontrar
incessantemente, sinto não poder parar
a trajetória, neste caso
não é para morte
mas sim, claro, para o que está vivo
no Eu, no todo
pois morrer é sentença
o resto, inconstante
sem mesmo poder dizer se vai acabar, agora
sem mesmo também, a nada mais, sentenciar
pois pulsa até morrer
e a vida está na veia
percorrendo ao longo da prisão de carne e osso
sufocando até o pescoço
deixando sangue jorrar
Desconecto-me
O chão se torna nuvem
A lua, luz gelada a me atravessar
É inverno,
Inverno em minha alma

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

"preciso aprender a só ser"

Manhã de qualquer dia. Levanto-me da cama e me espanto. - Aonde eu estou? Quem é esse refletido no espelho? De quem são essas coisas? Pra onde eu devo ir agora? - Questionei tudo o que mudara. - O que aconteceu ao meu quarto? E quanto ao meu rosto?

Algo mudou na forma como eu vejo a vida, disso não tenho mais dúvidas. Mas ainda é confuso, sinto do que se trata, tentando aprender a lidar, indo, por fim, na aceitação, em direção a essa nova perspectiva. Me sinto condenado a esta verdade. Minha confusão, na verdade, é porque não sei, de fato, quando isso se iniciou. Vi e senti indícios desse meu novo agora, mas nunca me prendi tanto a tantos sinais.

Sentir, a flor da pele, dos pés da cabeça, que eu existo, que faço parte do todo mas também que sou um só, estando sozinho, dentro do meu corpo, existindo pela minha própria existência, pela minha própria alma. Nisso, me confundo, mais uma vez, em saber como me sinto, se estou bem ou mal. Não dá pra definir, a carga energética oscila e dessa forma, sim, eu sinto, mas também oscila sem que possa/consiga dizer exatamente do que se trata esse oscilamento. Tenho a sensação(sinto que falarei muito e quase que somente de sensações), também, de sonho acordado, como se fosse fumaça a realidade, parecendo estar, assim, em um sonho. Minha visão não está turva, ela está clara, pois só digo o que digo me baseando no que vejo e sinto a partir disso. Aí está outra, o que vejo e o que sinto, o que me causa a visão, é tão difícil dizer... pois é tão pessoal, é de uma intimidade e individualidade intransferível, chega ser apavorante, por saber que este sentimento é único, difícil de se expressar e só o vive quem vive também da experiência. Só o vive quem desperta. Esse termo, despertar, vem de um livro que retrata um pouco o que eu estou incansavelmente tentando buscar para escrever há dias e, já que quero me expôr e expôr todo meu sentimento e tudo o que penso sobre isso, devo falar desse livro também, que me causou confusão, mas hoje eu crio sentido pra ele, na busca de sensações parecidas vivenciadas por outras pessoas. Livro Demian, de Hermann Hesse, não posso esquecê-lo, mesmo tendo o lido como uma lição de 'moral' e hoje não ter muito haver com isso. Dizendo assim, citando este livro em especial, parece que esse despertar se inclina para o espiritual(o que não descarto, já que vivo dessas possibilidades de sensações e de sinais que vem da vida e do meu interior), mas também sinto na pele, até no peso do meu corpo, nas minhas feições. Sim, existe o mistério do Eu e, de alguma forma, sinto-me rasgar o desejo de ir de encontro a ele, pois não consigo mais imaginar minha vida no futuro sem tal conhecimento e também não consigo conceber que isto seja apenas uma coisa minha, mas que a todos acontecerá e, pelo mistério da vida, o tempo é, como sempre foi, indeterminável.

Sei também que esse é um novo caminho, mas agora eu estou indo em direção ao meu próprio interior. Tentando passar pelo pavor e pelos estágios de euforia, inclinando minha vontade pro bem, o bem que também sinto, entre tantas coisas que são sentidas, nessa caminhada. Essa é uma cortina de fumaça com várias formas abstratas. Sinto que essa é a redenção da vida que levei até agora. Aqui começa, mas não se encerra. Imaginando-me fora do meu corpo, vendo o outro eu semelhante, mas totalmente desconhecido. Minha figura que jamais havia despertado e agora quer se fazer presente, por isso tudo está tão diferente.

É pela manhã que percebo, todos os dias, que estou sozinho. Conforme o dia se passa, junto das horas, esse sentimento e verdade vão sendo encobertos pelo barulho e pelas pessoas que, como se eu estivesse colocado uma música em modo rápido, vão passando. Os sonhos da noite se assemelham com os mesmos personagens do dia-a-dia. E mesmo assim, pra que tenha lugar deste sentimento encoberto, as sensações começam a aparecer, às vezes quando olho para o céu, pela manhã, às vezes somente pelos sinais que nos dias vão surgindo. Às vezes, também, são sensações que duram dias, semanas. Como explicar isso? É vida, oras. É assim que ela sempre foi, mas por dispersão, pelos outros olhos que usara um dia como uma porta de entrada, deixei ocupar-me de fora e dos de fora. Mas os olhos não são portas de entrada pra alma, a porta secreta velada pelo meu corpo tá dentro. E aí não se fala mais em localização, pois enquanto digo isso perco todas as diretrizes. Tudo o que eu digo quanto a sensações pode ser facilmente confundido por sintomas de acontecimentos rotineiros, como pela noite, enquanto me deito, sou ocupado pelo meu próprio espírito e o sinto, querendo, sem possibilidades de resgate, sair do enclausuro que firmou com meu corpo, na vontade de sair da pele, fugir daquela prisão, que carrego para todos os lados e para sempre até a morte, uma ultra sensibilidade é sentida também na pele. Podem ser indícios de um espírito afugentado, agora, querendo fugir.

Os sonhos também vão ficando cada vez mais próximos. No enredo, nada real. Quanto aos personagens, meu espanto, fico estarrecido de despertar e sentir que vi muito de alguém que nunca vi. Eles se tornam mais reais pelas sensações na manhã. Claro, junto à solidão fatídica. Eu nunca me senti tão só. Talvez por isso esteja usando isso como um diário. Um resumo do que vi, a partir do que sinto nesse momento. É uma pena mesmo não poder ter descrito tudo o que senti enquanto isso pulsava fortemente dentro mim. Mas mesmo dessa forma, falando da memória de algumas sensações, agora me habitam outras. Incomparáveis, sempre incomparáveis.

Não se trata de ser alguém. Trata-se de ser eu mesmo. Já se deram conta de si mesmos? É mais ou menos isso. Em tanto tempo, caiu a ficha que eu nasci, que estou vivendo e que vou morrer. Mais do que isso, caiu a ficha que só dou conta do agora. Somente o agora está em minhas mãos. Voltando ao meu ser, sinto como se tivesse olhado no espelho do meu interior e visto o mais secreto de mim, o Eu Superior, talvez. Agora é impossível escapar de qualquer possibilidade, exatamente por serem possíveis. Mesmo se tratando do meu eu interior, os sinais são vistos com meus próprios olhos, que estão na cara, claro. Porém, só digo que vejo porque sinto o que vejo, senão seria somente mais uma banalidade que passou sem eu perceber. E acho que é mesmo assim, falamos do que sentimos, a partir do vemos, mas sempre do que sentimentos e pensamos.

Eu acho que morri, uns dias atrás e, também nas sensações, renasci pra esse mistério que a vida se mostra todos os dias. Um mistério ora fascinante, ora sufocante, pelo medo que existe em nós e que, quando indo de encontro com o que há nas suas profundezas, você o vê lá, que sempre esteve lá, por sinal. Espiral de fumaça é o que se tornou meus velhos dias, e se tornam todos os dias quando desperto de um sono profundo. Ainda com tudo isso que sinto, é difícil não deixar a dispersão tomar conta às vezes, e o interessante é que antes tudo era isso, agora, de alguma forma, por impulso, quero fugir. Sem desespero, já que esse só me deixa desnorteado e de mãos atadas. O que eu digo não terá fim, já que estou nesse caminho que não tem ponto de partida nem linha de chegada, por não ser uma corrida, acho que por não ser nada que se dê nome e que seja tão consistente e palpável pra se encerrar.

Gil, iluminado, escreveu, cantou e tocou uma canção(e um disco) a qual me aflora esses sentimentos:

“Sabe, gente.
É tanta coisa pra gente saber.
O que cantar, como andar, onde ir.
O que dizer, o que calar, a quem querer.
Sabe, gente.
É tanta coisa que eu fico sem jeito.
Sou eu sozinho e esse nó no peito.
Já desfeito em lágrimas que eu luto pra esconder.
Sabe, gente.
Eu sei que no fundo o problema é só da gente.
E só do coração dizer não, quando a mente.
Tenta nos levar pra casa do sofrer.
E quando escutar um samba-canção.
Assim como: "Eu preciso aprender a ser só".
Reagir e ouvir o coração responder:
"Eu preciso aprender a só ser."

domingo, 3 de fevereiro de 2013

buscar

Metade metade
Da mesma parte
No interior, sonhar
Pra só assim acordar
Na sensação de nascimento
Crescimento
Descobrimento
Nas veias da raiz que só sabe procurar e procurar
E a todo o momento encontrar
Terra, o que precisar
Indo a fundo
No interior do mundo
Pulsando no profundo
Afundando no fofo da terra
Guerrilhando, em sua própria guerra
Contra as minhocas no seu caminho a passar
Com a força que tem pra brotar
A flor que busca o sol
E a raiz que continua a buscar

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

'O menino dos olhos verdes'

Falaram de mim por aí
Disseram coisas lindas
De uma tarde prometida
E uma prosa sobre as coisas bonitas
Tive vontade
Do abraço
Dessa escrita em que deixo pra ti o espaço
Joana de nome sofisticado
Que me emudeceu com seu poema
Aonde sinto seu afago
Cá está meu recado:
Fico muito grato
E sem modéstia irei mostrá-lo
Pois tão grande foi meu agrado
Que senti sua doçura e abraço

'O menino dos olhos verdes' 

"Um chá, um abraço.
Um pouco de prosa, verso e poesia.
Eu, você e a tarde.
Aquele reencontro, e a velha sincronia." Joana Ribeiro

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

permaneça

Nesses tempos de consumo
Engulo o amargo hábito de comprar
Do que tenho visto de bonito
E ainda o que há de se aproveitar
Minha fuga mora em meu lugar romântico
Espero nunca deixa-lo escapar
Sinto-o dentro de minh ‘alma
Doce flor a desabrochar
De todas as vezes que engulo aquele amargo
Apodreço a pétala do meu amar