segunda-feira, 29 de abril de 2013

as manhãs

Acabo de passar por mais uma manhã.
O sol nasce, as pessoas vão trabalhar, a luz adentra a janela.
Quisera eu que fosse outra manhã.
Existe nela movimento nas ruas e as luzes se desligando nos postes.
Passageiros esperando o ônibus e o neto sendo levado para a escola.
Uma mulher comprando cigarro e o menino comprando o doce.
E vai ficando mais quente conforme o sol sobe o céu para rasgá-lo em mais um dia.

A vida seria somente o enquadramento da janela caso não saísse daqui -penso.
E é. Acompanho do alto toda movimentação.
6 horas, bate o sinal da escola e os alunos entram.
Esvazia-se a rua frente a minha.
O vento toma conta tornando-se notável, batendo nas árvores e guiando os pombos.
Mais uma manhã.

Não percebo em minutos o negro do céu tornar-se laranja.
As cores não tem formas. E se misturam.
O céu não tem consistência e nunca pretende desabar.
As nuvens passam a me observar, a te observar. Elas passam e se desfazem.
Vão se transformando, juntando-se umas as outras. Sem rumo e nem direção.
Mais uma manhã.

Não percebo o dia chegar enquanto o calor adentra o quarto e a coberta.
Desperto no lamento em lágrimas do meu próprio corpo que não suporta tal calor.
Coisa alguma, dessa vez, tem consistência e realidade.
Fui tomado por uma enxaqueca que durou uma semana e ainda não findou.
De repente o dia é feio. É quente e desagradável.
O café não está pronto assim como eu.
Não sei como e quando me inicio.
As crianças indo ao colégio e as pessoas indo ao trabalho, que barulho infernal.
Minha audição é sensível como não havia percebido.
Tonto, urino já com a bexiga pedindo socorro. Mal consigo ficar de pé.
Mais uma manhã.

Vai-se a cabeça, fica a dor.
Minha cabeça foi cortada esta manhã.
Amolaram a faca durante alguns dias e finalmente hoje me decapitaram.
Mas fica a dor latente de um dia ter tido cabeça.
Procuro debaixo da cama, em cima da cabeceira. No escuro é fácil perder a própria cabeça -penso.
E acabo por deixar a manhã passar sem que eu possa perceber sua existência. E das outras pessoas.
Volto a dormir e existir nessa manhã não passa de um mero sonho.

A porta se fecha, dando princípio aos compromissos matinais. Que irão durar o resto do dia.
Estou pelo lado de dentro, faz frio e calor, ao mesmo tempo.
Meu pensamento, para meu desgosto, voa pra longe do aqui e agora.
Quando me dou conta, é manhã e então estou no aqui e agora.
Tenho uma revelação inusitada sobre nossa condição.
Toda manhã é uma epifania, todo pensamento matinal é uma divina constatação.
E selado o período pelo relógio ao meio dia, o dia se torna uma irrealização, por ser mero e efêmero vão.
Espero pela manhã seguinte, que parece eterna no raiar do sol.

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