sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

(sem)descanso

O que me assola sou eu. Porque nunca me sinto confortável com "eu sou". Grito, choro, esperneio feito criança, mas de nada adianta desespero em prol de qualquer revelação. Olho pro céu, meu Deus, que lua penetrante, fico extasiado com a lua e o infinito e, ainda por só sentir a ele, perturbado. Minha confusão não tem fármaco que cure. Meu desejo e meu sentido parecem de flor que quer desabrochar, mas quando penso o estrago, volto ao botão prestes da árvore se soltar.
Antes estive à beira de mim mesmo. Agora me sinto até sangrar. Às vezes quero partida sem volta, mas me pergunto, como poderia eu me livrar de mim mesmo? É que estou exausto, eu penso, estou exausto sem nada ter feito. Meu físico é esta estátua imóvel e ainda assim continua a ser meu peso, minha casa que carrego pra todo e qualquer lugar.
Vão-se embora as pessoas do meu caminho. Não as culpo, é claro, por me deixarem a sós comigo mesmo. Essa é uma coisa que nunca havia compreendido, mas hoje, nesta sala, sozinho, eu sinto a mim como tudo o que existe. Resiste, aliás, minha condição também é resistir. O infinito que está presente em mim, em todas as coisas, é invisível e incompreensível a quem quiser entender ou enxergá-lo. Não é possível falar do infinito, do Todo, da vida como Todo. Isso não está nas palavras, está no sentir, ninguém pode falar. Mas como bom torturador de minha alma, tento transcrever como este todo está em mim. E ainda, mais que isso, tento aqui entender o que sou. Talvez eu não seja nada, uma lata vazia, mas que está sempre cheia de ar. Aí está a confusão: parece vazio, mas não. Continuo no meu choro, no meu desespero que vou aprendendo a cessar. Dentro de mim, deste corpo, lentamente sinto meu peito pressionado, esmagado, me falta até mesmo ar.
Depois de algumas coisas, é difícil viver dessa maneira... já não sei mais deixar de me perguntar. Mas, algumas vezes, parece surgir uma certeza e... adeus, não estou mais certo de nada.
Na verdade, é difícil sentir... é um tanto que me cala, vem à garganta sem palavras e volta, sobe a cabeça, vem aos meus olhos e acredito existir uma luz desses olhares que tentam dizer. Mas não tem luz nenhuma nesses olhos, estou mais no fundo, dentro e sempre afundo de mim mesmo, dessa casa e corpo de maneiras e costumes que, esses sim, com certeza, não são absolutamente nada.
Por vezes me sinto triste por estar tão dentro de mim assim e não poder pensar pra aliviar esse peso de sentir. Eu sinto aqui dentro o que não sei dizer, pois todas os sentimentos que já foram catalogados não dizem respeito ao que sinto.
Cesse, cesse, cesse os pensamentos por um segundo, eu imploro, mas nada dessa pausa chegar.
Antes fui ocupado por tantas coisas... hoje sou apenas ocupado por mim. Porém, pra minha infelicidade, sequer sei quem eu sou. Estou perdido na minha própria vida, não sei quando inciei, nem sei quando termino, mas sei que isso de nada tem final ou começo, é mais incompreensão em desatino, do que só sei sentir, às vezes, não sei nem mesmo pensar.
Quero me transcender, mas me pergunto, por que será? E logo me vem a cabeça que desde que vim a este mundo, tudo o que sei é ir além, esse é o meu destino, me parece. E transcender neste sentido é ir além do que não sei.
Acendo um cigarro pra ocupar minha cabeça com fumaça, mas rapidamente percebo que compro a ideia de uma indústria tabagista de que o cigarro me distrairá. Nada disso faz sentido, esse tanto que eu sinto está me levando a mim mesmo. Nem com os meus mais queridos eu consigo mais desabafar. Eu quero pedir socorro, mas só eu posso na minha alma vagar, com os outros, experimento o Infinito, em silêncio e sem alarde, porque esse mesmo infinito é contrário de toda linguagem.
Sinto e tento pensar. E tento e tendo e, nada. Não há pensamento que desdobre um sentimento sequer. Que angústia, meu Deus, que aperto no peito. Uma pressão que a princípio parece ser no diafragma, mas no fundo compreendo ser na alma.
Ah, quanto lamento parece essa tentativa de através do meu pensamento decifrar, nem que seja um pouco, esse mistério. Será que a Natureza, as plantas, as árvores, os fungos, o pôr-do-Sol tem essa preocupação com o mistério da Vida?
Não, não tem. A Natureza é ela e só. Qualquer sentimento em comunhão com ela é meu, o que vem dela é Ela inteira e, eu que estou nela, sigo tentando me desconstruir e me tornar o "homem primitivo" ou, como gostaria de melhor dizer, só Natureza também. Todas as perguntas são minhas. As árvores, o pôr-do-Sol, os fungos e as plantas são somente eles mesmos. E se penso, eu sei, eu tendo a distorcê-los em minha cabeça. Minha alma é tão primitiva quanto todas essas vidas que não pensam. Mas meus pensamentos são as vestes dos homens que pensam e a repetição da mesma linguagem, suja, vestida de palavras que, por exemplo, quando digo que um dia é lindo e ele é somente um dia. Talvez a beleza seja sentir, mas sentir por si só é somente sentir... e é demais, não tem tamanho, não tem linguagem, é a conexão de todos os corpos espirituais habitando a mesma Terra. Eu sinto que são todas essas coisas em movimento mas, quando penso, por um momento dentro de mim, param e cessam.
Ainda que ache a reflexão uma dádiva que a todos nós é concedida pela Natureza, sinto, aqui dentro de onde não tem lugar que, para sermos todos juntos, necessitamos/necessito da clareza nos sentimentos, da iluminação da minha consciência e sua sintonia, enfim, com todo o Universo... e, às vezes, encontro isso uma ou duas vezes ao dia, entendendo, de maneira a não se pensar sobre isso, que dentro de um corpo repleto de sentidos, tenho uma alma abafada por ocupações mentais na tentativa de caracterizar o objeto observado. Mas aí está a questão, no mais profundo do meu ser eu não posso observar, menos ainda caracterizar, por isso, minha mente que funciona de maneiras infinitas, nunca chegará ao Infinito sem antes deixar-me ocupar por toda essa alma desconhecida e somente sentida. 
O mistério da vida eu vou levando e está dentro mim, pensando, sentindo, tendo revelações sobre minha própria condição de ser gente nesse mundo, às vezes desesperado, a ponto de me matar.