quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

versos inúteis

meus versos inúteis
que não me servem nem como porta de boca
e que quando os escrevo é gozo e agonia
esses versos que me sobem a garganta
e me descem aos dedos
rasgados de toda melancolia dos dias que findaram
mas que em minha vívida memória
se saboreiam do meu desejo de alforria

para todo o meu desgosto
acendo um cigarro como se nele morasse o mundo
ou a mim coubesse pôr a alma na brasa
mas sem sentido ele acaba como tudo
e finda numa tragada e numa libertadora baforada
então retomo a mim como se fosse tudo
e presto atenção no que percebo
caio arranhando o vidro num barulho irritante
como se gritasse a mim meus dedos e as unhas que tentam fincar-se a qualquer coisa

toda noite, todo dia é desespero
corro os olhos sobre o muro, vejo a todos e todos me ignoram
mas porque me escondo na sacada e me abaixo atrás do muro
pois só quero ver passar o mundo
mas essa tentativa burra é a insuficiência de ver tudo
e a rua não é a porta desse mundo que tanto falo
e, portanto, não só falo
como vejo somente com meus olhos que a terra já comeu
e que foram devorados também por mim mesmo quando quis enxergar
e essa é mais uma coisa que me acometo por a vida ter-me um pouco dos olhos em tudo

viajo experimentando como também experimento agora sentado
na escada, de costas pra porta que dentro tem a cama que me abriga
e nessas viagens penso sempre nessa cama e nela vejo meu descanso
mas essa noite não poder dormir me ilumina o mundo
apesar do breu da noite e olhar daqui a vida no escuro
quando me encontro nessas viagens sinto como se estivesse perdendo(e perdendo nada)
pois o que tira minha calma é a violência dos trens e a distancia das pessoas
ninguém se conhece e portanto é dado como incerto estar próximo do outro
mas incerto é somente meu destino nesse rumo
às vezes quando encosto no parapeito de uma janela penso que sei de tudo
mas caio na desgraça e o agora não é nada, e o parapeito é só o meu encosto de descanso
então acho que devo ir ao encontro de gentes, mas as vejo de longe
porque se me aproximo a revelação é sempre o espanto
não sei como saber do outro se sua alma é outra que não é a minha
e sua casa, seu corpo é repleto de todas as formas que o meu não tem
ao mesmo tempo que agora escrevo o que penso nesse processo de pensar e escrever
acho também que gosto do gosto desse desconhecido

meu sonho é para mim
e esse sonho de futuro é miserável por não ser nada ainda
quando chego no depois, já não sei mais do agora e acabo por me esquecer desses planos futuros
eles não são nada mesmo, nem o que pretendem, nem o que por ideia posso ter
e esquecendo essa ideia, existe um vácuo que assola o esquecido
eu sou esquecido, mas que ao mesmo tempo não sou nada
nem eu, nem o outro
nem os sonhos futuros
não existe eu
agora persiste a cabeça maquinando e os dedos em função de dizer tantas coisas...
mas quando falo sei que de pouco essa linguagem pode falar
e essa minha argumentação hipotética
é a mesma suposição barata de quem não sabe de nada
e não saber de nada, às vezes penso, é privilégio
por ainda manter viva uma esperança no futuro
ou mesmo no agora, uma esperança cinza do desconhecido por que de esperar tanto
mas acabo sempre sendo alguma coisa
e essa coisa no final acaba por me incomodar
por me sentir desse que sou um escravo
que crava na própria pele sua unha
como se pudesse eu querer virar-me do avesso
atravessar minha pele e me ver de dentro
uma tolice sem tamanho pela ideia ser um absurdo, e as unhas que fincam machucar a pele
e acabo por me machucar de muitas maneiras quando me sinto encurralado
mas sei, também, que por acaso minha pele é minha casa
e emudece esse querer de quase-morte, essa vontade de abandonar a pele

sei que tudo o que tenho ainda estou pra aceitação
e minha voz que julgo como desafinada é a unica que fala
canto a tristeza, canto uma alegria que não conheço, canto por somente poder cantar
esse ato de desanuviar minha perturbação, esse problema que parece ser eterno na cabeça, mas que vejo no corpo e nos olhos de todos
de mim ninguém sabe nada, e se quisesse saber seria um querer em vão
pois só eu te vejo daqui de dentro e só eu estou ocupando meu espaço
percebo que sou ruim nas coisas que faço e me decepciono por nem cantar saber
falho nas coisas e, nelas, ainda que não queira, eu estou
e estar é meu unico estado no momento
também não quero nada
absolutamente nada, o que deixa a muitos com desconfiança
mas não posso querer nada, pois eu mesmo sou a finalidade das coisas que posso querer
essa é minha derrota
enquanto estou no quintal de casa, observo, novamente por cima do muro, um pedreiro que está consertando a casa ao lado querer um tanto, querer muito
e eu ali não quero nada, nem mesmo observar o que quer o pedreiro
mas observo, como num exercício de auto-flagelo, a grandiosidade dos quereres daquele homem
não sei ao certo aonde o leva seu querer, nem mesmo ao certo quem é o homem trabalhando
e não invejo, nem em mente nem em alma, nada daquelas vontades
mas as acho grandes, por eu mesmo não querer nada
sento-me pra fumar um cigarro e penso: o que será de mim se não quero
e eu que não sou nada e não tenho grandes aspirações
meu querer agora é não querer nada. é, na verdade, querer tudo ao mesmo tempo
se penso no agora, agora só quero fumar um cigarro
e deixar pra lá o que penso ainda sobre meus sonhos futuros
pois eles não são nada
não são
ficam aqui nessa escada
enquanto vou-me embora, deixando tudo para trás
como houvera deixado antes e por ser burro voltei atrás
mas no agora a vontade é tudo o que persiste em mim
nesse meu movimento em me levantar, deixar o chão
o pedreiro e esses sonhos impossíveis
só porque caio a todo instante
nesse agora, que parece que dura um especial para sempre

ah, então me lembro e volto ao passado
me lembro de criança e não ser tão cheio de tudo
quando nem tinha ideia de que não sabia de nada e por inocência nem mesmo me importava
só chorava de fome
e ria do que achava verdadeira graça
mas hoje, esse torpor de alucinações que me emaranhei
rio da desgraça, rio do que não acho graça
rio por pena
talvez de mim mesmo
mas uma pena de burrice, a pena que sinto quando me vejo só
mesmo sabendo que é essa condição imutável
apesar de saber que nada disso contém importância
me incomodam os acasos em que sou obrigado a dizer meu nome
como se meu nome fosse eu
aí recordo-me novamente de ser criança
e nem em nome pensar como pessoa
não me olhava no espelho
não me via em julgamento
não reparava minhas formas
que hoje preciso desse exercício de aceitação pra não me chatear comigo mesmo

mas sei,
como sei sabendo porque sinto
que nada adianta existir todas as coisas
se eu não estiver aqui para senti-las
se eu não estiver aqui, nada disso existiria
ninguém existiria
e parece tudo fruto do que sinto
e é, afinal
essas experiências sem importância alguma
são as mesmas que me fazem compreender
numa incompreensão não entendível
daquelas que só posso dizer que se sente, e se sente muito,
de que tudo
que a vida sem futuro e sem passado
que a vida do presente eterno
só se é vida porque vivo
e só é nada
porque eu mesmo não sei nada