Querido "nada",
Escrevo à parte de todos os acontecimentos acontecidos recentemente. Escrevo por impulso do nada saber sobre você agora. Essa vida é cheia de imprevistos e eu estou certo de que ainda não sei lidar com terça parte deles. Partilho na escrita porque é o único direito que verdadeiramente é meu.
Esse tempo parece pão de outro dia, dormido. Mas tem sempre alguém com muita fome e quer saciá-la com ele mesmo. Não sei qual é a minha trajetória. Tantas coisas aleatórias aconteceram desde que me entendo por gente. E tantas coisas parecem tão bem escondidas em um relicário, sei lá, que eu não consigo lembrar.
Aí se vê, que memória a gente ganha quando nasce e perde quando cresce. Deveria estar tudo nos conformes, não é mesmo? Não. Conforme o que? Acho que eu já não acredito em coisas o suficiente para seguir os conformes. Nem escolha se tem. Nem escolha, nem ninguém. Talvez nascer sozinho seja um fardo que devemos carregar por castigo, e não nos lembramos de ter cometido um erro no escrotal do nosso pai. E se esse erro existe, todo mundo o comete. E aí, ao mesmo tempo, eu penso que às vezes é difícil suportar a minha própria companhia. Mãe não vale, mãe a gente já tá conformado e até aprende a gostar de estar junto grande parte –pelo menos, pra maioria, a mais importante- de nossas vidas, afinal, ela nos botou no mundo, não é mesmo? Pensar no mundo como quando nascemos parece tão bonito. Aí você vai envelhecendo e, ou se acostuma com isso tudo, ou fica muito perturbado. É verdade.
Nadica de nada: do que se é feito? Tudo que se dê para expressar, de alguma forma contém no espaço. O nada pode ser vácuo, mas o vácuo é presente também. E pronto. Pronto, nada é nada, nada é vácuo, vácuo também é presença, nós somos seres presenciais, então, estamos cheios de nada vagando de lá pra cá. E dentro do nada? Dentro de nadica de nada se têm espaço pra caber alguma coisa? Creio que sim. Se nada somos, basta olhar pros lados no centro da cidade e você pode ver que cada pessoa, com sua particularidade, estão se expressando, se mostrando e botando pra fora algum sentimento; seja raiva, seja contentamento, seja amor, seja qualquer coisa. Tem coisa dentro do nada. Tem coisa dentro da gente.
"Nada", me deparei com questões que me deixaram confuso. Confuso é um estado de espírito (há espírito em nós?) ou estado mental? Não sei bem à qual desses dois eu devo atribuir a confusão. Verdade, gosto muito de falar sobre particularidades, os assuntos mais pessoais, cada item que se encontra apenas em um indivíduo. Acredito que cada um deve cuidar do seu, e que ninguém deve achar-se no direito de apontar o contrário. Tenho notado também que a gente se vira do avesso por dentro tentando correr com algumas perturbações dentro da nossa cabeça. Se vira do avesso, se auto-flagela e ainda tem por obrigação enfrentar uma corja de covardes te dizendo o que é certo e o que é errado. Isso tá certo? Tá certo ter que olhar nos mesmos olhos dispersos e autoritários todos os dias? Não. Em minha opinião não. E eu, que não tenho nome, nem sangue de família importante (não pelo menos na minha época), terei que todos os dias me submeter às vontades alheias? Não quero não.
Não, não e não. Isso não tá certo. Ninguém tem razão.
Remetente desconhecido. Verão de '79.
Remetente desconhecido. Verão de '79.
Ninguém tem razão!
ResponderExcluirNossa que texto gostoso perturbador!
"E aí, ao mesmo tempo, eu penso que às vezes é difícil suportar a minha própria companhia."