quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Nada

Querido "nada",
Escrevo à parte de todos os acontecimentos acontecidos recentemente. Escrevo por impulso do nada saber sobre você agora. Essa vida é cheia de imprevistos e eu estou certo de que ainda não sei lidar com terça parte deles. Partilho na escrita porque é o único direito que verdadeiramente é meu.

Esse tempo parece pão de outro dia, dormido. Mas tem sempre alguém com muita fome e quer saciá-la com ele mesmo. Não sei qual é a minha trajetória. Tantas coisas aleatórias aconteceram desde que me entendo por gente. E tantas coisas parecem tão bem escondidas em um relicário, sei lá, que eu não consigo lembrar. 
Aí se vê, que memória a gente ganha quando nasce e perde quando cresce. Deveria estar tudo nos conformes, não é mesmo? Não. Conforme o que? Acho que eu já não acredito em coisas o suficiente para seguir os conformes. Nem escolha se tem. Nem escolha, nem ninguém. Talvez nascer sozinho seja um fardo que devemos carregar por castigo, e não nos lembramos de ter cometido um erro no escrotal do nosso pai. E se esse erro existe, todo mundo o comete. E aí, ao mesmo tempo, eu penso que às vezes é difícil suportar a minha própria companhia. Mãe não vale, mãe a gente já tá conformado e até aprende a gostar de estar junto grande parte –pelo menos, pra maioria, a mais importante- de nossas vidas, afinal, ela nos botou no mundo, não é mesmo? Pensar no mundo como quando nascemos parece tão bonito. Aí você vai envelhecendo e, ou se acostuma com isso tudo, ou fica muito perturbado. É verdade.

Nadica de nada: do que se é feito? Tudo que se dê para expressar, de alguma forma contém no espaço. O nada pode ser vácuo, mas o vácuo é presente também. E pronto. Pronto, nada é nada, nada é vácuo, vácuo também é presença, nós somos seres presenciais, então, estamos cheios de nada vagando de lá pra cá. E dentro do nada? Dentro de nadica de nada se têm espaço pra caber alguma coisa? Creio que sim. Se nada somos, basta olhar pros lados no centro da cidade e você pode ver que cada pessoa, com sua particularidade, estão se expressando, se mostrando e botando pra fora algum sentimento; seja raiva, seja contentamento, seja amor, seja qualquer coisa. Tem coisa dentro do nada. Tem coisa dentro da gente.

"Nada", me deparei com questões que me deixaram confuso. Confuso é um estado de espírito (há espírito em nós?) ou estado mental? Não sei bem à qual desses dois eu devo atribuir a confusão. Verdade, gosto muito de falar sobre particularidades, os assuntos mais pessoais, cada item que se encontra apenas em um indivíduo. Acredito que cada um deve cuidar do seu, e que ninguém deve achar-se no direito de apontar o contrário. Tenho notado também que a gente se vira do avesso por dentro tentando correr com algumas perturbações dentro da nossa cabeça. Se vira do avesso, se auto-flagela e ainda tem por obrigação enfrentar uma corja de covardes te dizendo o que é certo e o que é errado. Isso tá certo? Tá certo ter que olhar nos mesmos olhos dispersos e autoritários todos os dias? Não. Em minha opinião não. E eu, que não tenho nome, nem sangue de família importante (não pelo menos na minha época), terei que todos os dias me submeter às vontades alheias? Não quero não.
Não, não e não. Isso não tá certo. Ninguém tem razão.

Remetente desconhecido. Verão de '79. 

Um comentário:

  1. Ninguém tem razão!
    Nossa que texto gostoso perturbador!
    "E aí, ao mesmo tempo, eu penso que às vezes é difícil suportar a minha própria companhia."

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