segunda-feira, 7 de abril de 2014

destruição

é preciso me destruir

paro e penso e sinto: tudo que fui construído,
não sou eu em absolutamente nada
retalhos do velho e do novo
que provavelmente já estavam aí antes de se tornarem velhos ou novos
e percebo, por analisar friamente esses amontoados,
que os detesto e nem sei, nem soube, quando um dia gostei disso
a diferença é que antes era indiferente e agora detesto

(é preciso sentir ódio e ter um pouco de raiva com tudo isso;
as entrelinhas que não são entrelinhas e esse gosto de desvendar o óbvio que não está na cara, que está encoberto de teias que envenenam a alma e que seduzem;
as jogadas, todas gastas, no mesmo jogo de séculos;
nuances, que desaparecem quando tudo nessa vida é igual e batido;
o descarte das coisas e também suas agregações;
o inverso da pessoa que é e tem e tudo na mesma proporção que todos e que o Universo;
basta dessa porcaria, porque o ódio se instalou temporariamente nas minhas veias na ânsia de destruição de tudo;
quero explodir a mim e o mundo;
gradualmente lançando a bomba da minha própria destruição;
vem essa explosão e às vezes, por descuido ou burrice, perco o que estou destruindo porque seduz a mim e a todos que copie e cole e se repita a mesma coisa pra que esse exercício de existência, de estar e ao mesmo tempo se dar conta de si, ter consciência em consistência que não se sabe, coisa de que não se pode pesar, medir, escolher ou falar, se torne fácil, indolor, que passe como todas as coisas, batido e compressado, pois, se permitimos, quem se choca somos nós se, por acaso, percebermos que existimos e que para além de nós e entre nós existem também consciências, inteligências e movimentos que são mais intensos(porém mais sensíveis) que essa rotina diária de cansaço;
existimo-nos, inclusive e não exclusivamente, uns aos outros, independente da nossa ignorância. independente do descaso com o que não se conhece e que é tão desconhecido que nos doemos de recalque até as nossas mentes e delas criamos problemas que somatizam as dores nos corpos, empurrando e escorraçando, pressionando pra que não seja visto, a nós mesmos, nas nossas cavidades e brechas;
mas a gente se enfia de um lado e sai do outro porque o Universo é um e está em todos, portanto, uma hora ou outra, desmantelamos essa torre invisível que nós nos botamos nas mentes, vamos nos desgostando e vomitando e adoecendo por não saber mais já de nada e por não ter nesse mundo nenhum indício escancarado, mas sabendo que justo esse nada é tudo o que verdadeiramente existe; é a Verdade que, por desmascarada, a gente sente nojo do que entendia por vida e por isso quer vomitar.)

essas coisas, horrorosas, de prensa dentro de nós, que aperta e faz a gente gemer. mas sequer sabemos por que gememos e sentimos dor. são essas agregações as culpadas e desde que nascemos. tudo, tudo que se conhece nesse mundo: QUE SE EXPLODA. que vire cinzas, enfim, para que se recomece de maneira a não se recomeçar nada, a não se dividir nada e ser tudo uma coisa só como verdadeiramente é. mas principalmente: que eu exploda junto e não fique assistindo perplexo a essa construção absurda.
aqui na cidade há muita perplexidade quando passo pelas coisas... quando observo, quando tiro de mim esses 'olhos do mundo' e me visto quase que por inteiro. melhor: não me visto, me sou. aí eu percebo na hora: eu odeio essas coisas por não senti-las, por sentir o contrário: nada era pra ser assim. tudo invertido e tristemente desalmado.
parece daqui, do quarto aonde escrevo agora, que esse mesmo silêncio da cidade na madrugada é o silêncio mais triste do mundo. é o silêncio dos suicidas, dos que querem o suicídio e dos que estão desesperadamente angustiados com a vida no frenesi. é o silêncio da morte e do afobamento porque ela é, na verdade, assim como silêncio, parte dos movimentos que não controlamos da vida: ela é, em sua excelência, portanto, o nosso próprio medo de viver a vida, mas vivê-la ao contrário disso; ao contrário da cidade e dos barulhos que aumentam ainda mais as angústias quando uma moto passa rasgando o silêncio e as ruas. inverter o nome das ruas, também, retirá-los e retirar de nós a voz para deixar que o mundo seja mudo e não ter, por obrigação, que ouvir os absurdos e as normas do que não nos cabe de maneira alguma. meu espírito se arredia porque qualquer revelação de alma e de verdade é temerosa nesse mundo, a gente é muito mais frágil às agressões do que pensamos, nosso espírito é muito mais suave que a bruta fumaça dos automóveis, é mais sensível que a nossa pele e enxerga muito mais que nossos olhos. por isso nos entocamos e enfiamo-nos goela abaixo. e nos calamos, porque sentimos o espírito quando se está mudo, num silêncio avesso à madrugada que parece tão sombria, tão cheia de estórias macabras e horrendas... meu espírito, então, se manifesta no silêncio e diz pra mim sem palavras o que eu preciso saber de verdade desse mundo e do infinito, mas eu sou surdo às vezes das sensações e não ouço nada senão os diálogos que parecem não cessar e os gritos de socorro dos sem alma no escuro. por fim, faço como um arrependido de ter alma e me entrego a algum canto de esconderijo, na esperança de um dia, talvez, ocorrer essa destruição que tanto quero, e acabe comigo e com tudo de uma vez, na busca de uma liberdade que ninguém conhece, mas deveria.

sábado, 15 de março de 2014

Penso nada,
Penso alto
Junto às memórias
E ao que se é sentido.
E tento deixar-me fazer
A comunhão do que se pensa
E o que se sente.
São apenas um.
E o penso como dois
Saberes da minha alma.

Mas sinto minha alma
Como sendo uma,
Que se desdobra
No acontecer das emoções,
E no que penso delas.

Porque sentir
Confunde o que vejo do mundo,
Que não sou eu,
Eu é que o sou.
Sou-o junto dos sentimentos
E dos pensamentos.

Será que sinto com os olhos?
Porque ver me ocasiona tudo
As coisas, findas ou não,
O tempo, as árvores,
As árvores tão verdes
E também as mortas.

Será que vejo a morte?
Ainda que pense que sim,
Não a penso com clareza,
Por não haver clareza
Ao enxergá-la.

Num só fôlego
Me cabem todas as coisas.
E o externo,
Como uma plantação de cana
Que assovia com o vento,
Sequer sabe
Da minha existência.

Mas ainda assim,
Cá está ela ao meu lado
A cana, assoviando
Em comunhão com o vento.

O vento,
Que também ignora a cana
E a minha existência
Passa...
E traz consigo,
Neste gesto de passagem pelas coisas,
Poeira, pingos e folhas,
E um gavião,
Que deixa sobre meus pés
Uma de suas penas.

Será que quis esse vento,
Essa cana,
Esse gavião que sai da cana,
Entregar verdadeiramente algo à mim?

Não acredito, porém
Mas sinto,
Como quem sente e não se dá pelo pensamento,
Que sou coisa passageira como o vento,
As árvores verdes,
Os pingos,
O gavião trazido pelo vento,
A pena e as coisas,
E se me foi deixado aos pés uma pena
É porque,
Ali, também passei.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

(sem)descanso

O que me assola sou eu. Porque nunca me sinto confortável com "eu sou". Grito, choro, esperneio feito criança, mas de nada adianta desespero em prol de qualquer revelação. Olho pro céu, meu Deus, que lua penetrante, fico extasiado com a lua e o infinito e, ainda por só sentir a ele, perturbado. Minha confusão não tem fármaco que cure. Meu desejo e meu sentido parecem de flor que quer desabrochar, mas quando penso o estrago, volto ao botão prestes da árvore se soltar.
Antes estive à beira de mim mesmo. Agora me sinto até sangrar. Às vezes quero partida sem volta, mas me pergunto, como poderia eu me livrar de mim mesmo? É que estou exausto, eu penso, estou exausto sem nada ter feito. Meu físico é esta estátua imóvel e ainda assim continua a ser meu peso, minha casa que carrego pra todo e qualquer lugar.
Vão-se embora as pessoas do meu caminho. Não as culpo, é claro, por me deixarem a sós comigo mesmo. Essa é uma coisa que nunca havia compreendido, mas hoje, nesta sala, sozinho, eu sinto a mim como tudo o que existe. Resiste, aliás, minha condição também é resistir. O infinito que está presente em mim, em todas as coisas, é invisível e incompreensível a quem quiser entender ou enxergá-lo. Não é possível falar do infinito, do Todo, da vida como Todo. Isso não está nas palavras, está no sentir, ninguém pode falar. Mas como bom torturador de minha alma, tento transcrever como este todo está em mim. E ainda, mais que isso, tento aqui entender o que sou. Talvez eu não seja nada, uma lata vazia, mas que está sempre cheia de ar. Aí está a confusão: parece vazio, mas não. Continuo no meu choro, no meu desespero que vou aprendendo a cessar. Dentro de mim, deste corpo, lentamente sinto meu peito pressionado, esmagado, me falta até mesmo ar.
Depois de algumas coisas, é difícil viver dessa maneira... já não sei mais deixar de me perguntar. Mas, algumas vezes, parece surgir uma certeza e... adeus, não estou mais certo de nada.
Na verdade, é difícil sentir... é um tanto que me cala, vem à garganta sem palavras e volta, sobe a cabeça, vem aos meus olhos e acredito existir uma luz desses olhares que tentam dizer. Mas não tem luz nenhuma nesses olhos, estou mais no fundo, dentro e sempre afundo de mim mesmo, dessa casa e corpo de maneiras e costumes que, esses sim, com certeza, não são absolutamente nada.
Por vezes me sinto triste por estar tão dentro de mim assim e não poder pensar pra aliviar esse peso de sentir. Eu sinto aqui dentro o que não sei dizer, pois todas os sentimentos que já foram catalogados não dizem respeito ao que sinto.
Cesse, cesse, cesse os pensamentos por um segundo, eu imploro, mas nada dessa pausa chegar.
Antes fui ocupado por tantas coisas... hoje sou apenas ocupado por mim. Porém, pra minha infelicidade, sequer sei quem eu sou. Estou perdido na minha própria vida, não sei quando inciei, nem sei quando termino, mas sei que isso de nada tem final ou começo, é mais incompreensão em desatino, do que só sei sentir, às vezes, não sei nem mesmo pensar.
Quero me transcender, mas me pergunto, por que será? E logo me vem a cabeça que desde que vim a este mundo, tudo o que sei é ir além, esse é o meu destino, me parece. E transcender neste sentido é ir além do que não sei.
Acendo um cigarro pra ocupar minha cabeça com fumaça, mas rapidamente percebo que compro a ideia de uma indústria tabagista de que o cigarro me distrairá. Nada disso faz sentido, esse tanto que eu sinto está me levando a mim mesmo. Nem com os meus mais queridos eu consigo mais desabafar. Eu quero pedir socorro, mas só eu posso na minha alma vagar, com os outros, experimento o Infinito, em silêncio e sem alarde, porque esse mesmo infinito é contrário de toda linguagem.
Sinto e tento pensar. E tento e tendo e, nada. Não há pensamento que desdobre um sentimento sequer. Que angústia, meu Deus, que aperto no peito. Uma pressão que a princípio parece ser no diafragma, mas no fundo compreendo ser na alma.
Ah, quanto lamento parece essa tentativa de através do meu pensamento decifrar, nem que seja um pouco, esse mistério. Será que a Natureza, as plantas, as árvores, os fungos, o pôr-do-Sol tem essa preocupação com o mistério da Vida?
Não, não tem. A Natureza é ela e só. Qualquer sentimento em comunhão com ela é meu, o que vem dela é Ela inteira e, eu que estou nela, sigo tentando me desconstruir e me tornar o "homem primitivo" ou, como gostaria de melhor dizer, só Natureza também. Todas as perguntas são minhas. As árvores, o pôr-do-Sol, os fungos e as plantas são somente eles mesmos. E se penso, eu sei, eu tendo a distorcê-los em minha cabeça. Minha alma é tão primitiva quanto todas essas vidas que não pensam. Mas meus pensamentos são as vestes dos homens que pensam e a repetição da mesma linguagem, suja, vestida de palavras que, por exemplo, quando digo que um dia é lindo e ele é somente um dia. Talvez a beleza seja sentir, mas sentir por si só é somente sentir... e é demais, não tem tamanho, não tem linguagem, é a conexão de todos os corpos espirituais habitando a mesma Terra. Eu sinto que são todas essas coisas em movimento mas, quando penso, por um momento dentro de mim, param e cessam.
Ainda que ache a reflexão uma dádiva que a todos nós é concedida pela Natureza, sinto, aqui dentro de onde não tem lugar que, para sermos todos juntos, necessitamos/necessito da clareza nos sentimentos, da iluminação da minha consciência e sua sintonia, enfim, com todo o Universo... e, às vezes, encontro isso uma ou duas vezes ao dia, entendendo, de maneira a não se pensar sobre isso, que dentro de um corpo repleto de sentidos, tenho uma alma abafada por ocupações mentais na tentativa de caracterizar o objeto observado. Mas aí está a questão, no mais profundo do meu ser eu não posso observar, menos ainda caracterizar, por isso, minha mente que funciona de maneiras infinitas, nunca chegará ao Infinito sem antes deixar-me ocupar por toda essa alma desconhecida e somente sentida. 
O mistério da vida eu vou levando e está dentro mim, pensando, sentindo, tendo revelações sobre minha própria condição de ser gente nesse mundo, às vezes desesperado, a ponto de me matar.